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30/05/2013

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARTIGO 14 DA LEI 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO)



Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.


  • Relacionados: As mesmas legislações mencionadas no post sobre posse de arma de fogo.
  • Sobre a classificação, objeto jurídico, sujeitos ativo e passivo, ver o post anterior, acerca da posse.
  • Sobre definição de arma, munição e acessório, ver também o post anterior.


Análise do tipo penal

É crime de ação múltipla, pois sua incidência pode ser dar com a prática de qualquer um dos treze verbos (ações nucleares) nele descritos:



PONTOS RELEVANTES



Detenção momentânea de arma de fogo

Caracteriza o delito em questão, não sendo necessária a intenção de assenhorar-se da arma (TJRJ, ApCrim 5.479/2006, 4ª Ccrim, j. 5-12-2006, rela. Desª. Giselda Leitão Teixeira).

Reincidência

Não qualifica o crime como ocorria na Lei 9.437/97 (art. 10,§3º, IV) - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9437.htm - novatio legis in mellius.

Arma de fogo de uso permitido, mas com numeração raspada

De acordo com o entendimento do STF, aplica-se o art. 16, IV, do Estatuto do Desarmamento, equiparando-se a arma com numeração suprimida à de uso restrito (STF, RHC 89.889/DF, relª. Minª. Cármen Lúcia, j. 29/10/2007).
Doutrina: Nesse sentido, DAMÁSIO, CAPEZ, DELMANTO, THUMS e outros.

Ação penal

Pública incondicionada

Transação penal

Inadmissível, pois a pena máxima é superior a 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 9.099/95) - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm

Suspensão condicional do processo

Não cabe, vez que a pena mínima é superior a 1(um) ano (art. 89 da Lei 9.0099/95)

Procedimento

Sem procedimento especial previsto. Segue-se o rito comum, ordinário (art. 394, §1º, I, do CPP - arts. 396 a 405 do CPP) - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm

Competência

É da Justiça Estadual (ainda que praticado por servidor público federal).

Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos

É possível (art. 44, CP)

Arma de brinquedo

Ao contrário da antiga lei, não caracteriza o ilícito penal em epígrafe.

Arma desmontada

Configura o delito.

Testemunho policial

Presunção (relativa) de veracidade em razão da fé pública. "Restringir a prova oral a depoimentos dos policiais não desautoriza a condenação." (TJRJ, ApCrim 5.952/2006, 8ª CCrim, j. 7/12/2006, re. Des. Ângelo Moreira Glioche).

Necessidade de prova da lesividade

Despicienda, conforme informativos n. 539 e 544 do STF: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo539.htm

Algumas teses defensivas acolhidas

Erro sobre a ilicitude do fato: a) Pessoa que é abordada com arma desmuniciada no carro, contudo a referida arma foi usada instantes antes em uma peça teatral (TACrimSP, Ap. 1.171.709, 7ª Câm., j. 23/12/1999, rel. Juiz Luiz Ambra, RT776/613).  b) Homem simples, comerciante, que vende munição para caça em local onde tal prática é costumeira (TJRN, Ap. 99.002903-4, Câm. Crim, j. 4/5/2001, rel. Des. Caio Alencar, RT 846/569).

Coautoria

Como regra não se reconhece, pois trata-se de crime de mão própria, podendo ser praticado por apenas uma pessoa. Contudo, há exceção que reconhece o porte de arma de fogo compartilhado, se houver prova suficiente de que a arma foi encontrada em situação de disponibilidade para mais de uma pessoa. Ex.: Arma de fogo apreendida no interior de veículo, com mais de um ocupante, estando a arma em condições de uso por quaisquer dos tripulantes, e havendo conjunto probatório suficiente para demonstrar o fato.

Aplicação do princípio da consunção

Aplicar-se-à sempre que o crime-fim tiver dependência com o crime-meio, tal seja o porte de arma. Ex.: Roubo majorado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, §2º, I, CP) - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Não se falará em concurso de crimes, mas sim, somente no delito de roubo majorado, que consumirá o ilícito penal de porte de arma de fogo. Em síntese, se o porte de arma encontrar-se no inter criminis de outro delito, será absorvido por este.

Prisão preventiva

Se presentes os pressupostos autorizadores (art. 312, CPP, fumus boni iuris e o periculum in mora, prova da materialidade do crime indícios de autoria) caberá a sobredita medida constritiva.

Fiança

O STF declarou inconstitucional o teor do parágrafo único (que veda a concessão fiança) do artigo 14 da Lei n. 10.826/03, sob o fundamento de que tais delitos não poderiam ser equiparados a crimes hediondos. 


Fonte de Pesquisa para este "post":
MARCÃO, Renato. Estatuto do Desarmamento: (anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 10.826, de 22-12-2003) - 3ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.

27/05/2013

POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARTIGO 12 DA LEI Nº 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO)


Vide também (relacionados): 
  • Artigo 22, I e §2º, da Lei nº 11.340/06 ("Lei Maria da Penha"): Sobre a suspensão da posse ou restrição do porte nos casos elencados na aludida legislação, como medidas protetivas de urgência.
  • Decreto nº 3.665/00: Regulamenta a fiscalização de produtos controlados, "R-105".
  • Lei nº 9.437/97: Antiga "Lei de Armas de Fogo".
  • Decreto nº 5.123/04: Complementa o Estatuto em comento, dispondo sobre o SINARM (Sistema Nacional de Armas) e definindo crimes.  


Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena: detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
PONTOS RELEVANTES

Definição de arma de uso permitido
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm (ver art. 10).

Definição de acessório

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm  (art. 3º, II).

Definição de munição

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm (art. 3º, LXIV).

Definição de arma de fogo, propriamente dita 

Aquela apta a produzir disparos (arremessar projéteis). Por isso há necessidade de prova da eficácia da arma, com perícia técnica (aferição da potencialidade lesiva, fulcro no art. 158 do CPP). 

Classificação 

Crime comum, doloso, permanente, de perigo abstrato, de mão própria (Como regra, só pode ser praticado por um agente, havendo exceção que admite a composse quando a arma estiver apta ao uso compartilhado. Sendo excepcionalidade, deve ser bem consubstanciada).

Trata-se, ainda, de norma penal em branco, pois sua aplicação eficaz está condicionada à outras normas, tais quais portarias, decretos, regulamentos, etc.


Tutela Penal
A incolumidade pública, preservação da integridade física das pessoas.

Polo ativo

Qualquer pessoa pode figurar no polo ativo do delito em questão (crime comum).

Polo passivo

A coletividade, por isso define-se como crime vago.

Verbos nucleares do tipo penal

Possuir (ter em seu poder, em condições de fazer uso) ou manter (guardar, cuidar - exemplo: Pessoa que guarda a arma, munição ou acessório para terceiro em sua casa ou dependência dela, ou, ainda, no local de trabalho (obs: desde que seja o proprietário do estabelecimento, como tratarei alhures)).

Armas de fogo de uso permitido

Art. 17 do R-105: http://www.dfpc.eb.mil.br/index.php/legislacao/84?task=view 

Momento consumativo

O instante da prática de quaisquer dos verbos nucleares.

Flagrante delito

Cf. art. 303 do Código de Processo Penal, "nas infrações  permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência".


Tentativa
Não admissível (em nenhum dos verbos).

Ação penal
Pública incondicionada.

Transação penal
Incabível, pois a pena máxima é superior a 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 9.099/95):
 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm

Suspensão condicional do processo
Cabível, visto que a sanção mínima é igual a 1 (um) ano (art. 89 da sobredita Lei).

Rito processual
Comum, sumário.

Competência
Justiça Estadual.

Regime de cumprimento da pena
Aberto ou semiaberto (art. 33, caput, e 59, ambos do CP): 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm

Substituição da pena
É cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que observadas as regras do artigo 44 do CP (usar o link acima para acesso ao CP).

Fiança
Cabe. O Delegado de Polícia ao lavrar o flagrante arbitrará (ou não) a fiança, nos moldes do artigo 332, CPP. Deverá a Autoridade Policial verificar se não há causas que impeçam o arbitramento de fiança, previstas nos artigos 323 e 324 do diploma processual retrotranscrito: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm

E se não for arbitrada a fiança?
A parte interessada poderá peticioná-la ao magistrado (art. 335, CPP), que dará  vista ao MP antes de decidir (art. 333, CPP).

E se não for concedida a fiança?

Caberá Habeas corpus, com pedido de liminar, destinado ao juízo ad quem. Perdurando a não concessão, ou a mera demora na decisão, demonstrando-se a evidência do constrangimento, admite-se recurso (HC) à Instância Superior (STF ou STJ).

Liberdade provisória
Possível, mesmo sem o pagamento de fiança (art. 310, § único, CPP).

Questionamentos relevantes:

Caçador pode possuir arma de fogo (caça desportiva)?
Sim, desde que pessoa física registrada em associação reconhecida e sujeita às normas do Exército (art. 3, XXXIV, Dec. 3665/00).

E quanto à caça de subsistência?
Admissível o porte de arma na categoria "caçador para subsistência", concedido pela Polícia Federal, após preenchidos os requisitos do artigo 6º, §§5º e 6º, da Lei 10.826/03:
  • residentes em áreas rurais;
  • maiores de 25 (vinte e cinco) anos;
  • que comprovem depender da caça para o sustento da família;
  • com conduta ilibada (bons antecedentes);
  • possuidores de arma de uso permitido, com calibre igual ou inferior a 16 (dezesseis);
E o colecionador de armas?
Admissível, desde que registrado e sujeito à normas do Exército.

E a arma como relíquia?
Não exclui a incidência no tipo penal em tela, ou seja, se tiver potencialidade lesiva, haverá crime.

Espingarda de chumbinho, considera-se arma de fogo para os fins da Lei?
Não. Cf. jurisprudência, trata-se de arma imprópria.

Arma apreendida no interior de veículo, trata-se de posse ou porte?
Será posse somente se o veículo estiver estacionado nas dependências da residência (ex. garagem). Afora isto, incidirá em um dos verbos do porte ilegal, ex. portar (veículo estacionado em via pública)  ou transportar (veículo trafegando).

Arma apreendida em estabelecimento, posse ou porte?
Dependerá da situação fática. Nossos Tribunais entendem que se o detentor da arma for o proprietário do estabelecimento, incidirá na posse, mas se for terceiro (ex. funcionário), responderá pelo porte. 

P.S.: Lembrem-se, que sempre que menciono posse ou porte, refiro-me à situação de ilegalidade, tendo em vista que ambas as condutas podem ser legais, dependendo do registro ou da habilitação para portar arma de fogo.      

Enfim, estes são os pontos que considerei de maior relevância para a presente postagem, cônscio de que não houve exaurimento do tema, por isso, aguardando sugestões para ampliação do texto, assim como, questionamentos e críticas. Lembrando que o intuito é exercitarmos os temas desta esfera do Direito, como forma de memorização/aprendizagem, para maior êxito acadêmico e/ou profissional de quem pretende atuar ou simplesmente tem apreço pela disciplina.

Fonte de Pesquisa para este "post":
MARCÃO, Renato. Estatuto do Desarmamento: (anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 10.826, de 22-12-2003) - 3ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.